Poema linha reta
Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)
[...]
E eu, tantas vezes
reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes
irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente
sujo.
Eu, que tantas vezes
não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes
tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os
pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido
grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido
enxovalhos e calado,
Que quando não tenho
calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido
cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido
o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas
financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a
hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da
possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido
a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não
tenho par nisto tudo neste mundo.[...]
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